Project Description
Enguias no Espeto
Com dedos tenazes tritura-se o pão de milho, lançando-se, com um pouco de água, o quase pó conseguido numa panela grande. À parte, faz-se um refogado com os indispensáveis alhos, hortelã, coentros, salsa, louro, vinho branco e vinagre. Cozem-se, noutro vaso, solhas, barbos, carpas, bordalos, sarmões, pardelhas e camarões pretos, apanhados no rio Almonda, conjuntamente com outra parte igual de bacalhau. Prontos, há que desfazê-los, migá-los em pedaços tão pequenos que nem os olhos os distingam. Deitam-se, então, para a miga, sem esquecer o refogado. Colheres endoidecidas revolvem, numa azáfama, o corpo gordo da mescla. Tudo ligado a preceito, salpica-se com colorau. Fica novamente ao lume para refinar a massa que irá excitar o desejo de quem cheira. Golpeadas em viés e temperadas com sal, enfiam-se as enguias, aos ziguezagues, umas sobre as outras, em vergastas de salgueiro descascadas quase até ao pé. Espetam-se estas varas ao redor da fogueira, cujas brasas perderam as chamas antes que desaparecesse o fumo. Rodam-nas, mãos experientes no eixo da rotação, para se conseguir que as enguias grelhem numa harmonia de côr. Nas fartas merendas organizadas no campo pelos mais abastados e nas almoçaradas que, depois das ferras e das tentas, os lavradores oferecem aos convidados, os homens, os criados, arrancam as vergastas do chão e servem as enguias na altura justa, precisa, em que as raparigas carregam as pesadas travessas com as migas. Devora-se. Consta que não há sobras. E do vinho também não. Durante a Quaresma, nas igrejas e nas capelas, cobrem-se as imagens dos santos com panos negros ou roxos. Sinal de luto que se retira às dez da manhã de sábado quando o alegro dos sinos repicar a aleluia. Mas aqui não há jejuns. Quando se jejua todo o ano... Sabor a carne só o dos caldos de galinha nas doenças. Na Páscoa, que culmina com a procissão e o arraial da Senhora da Piedade, é a magia de umas amêndoas, rijas como cornos, com um pinhão no meio. Para o requinte dos casamentos, há uma etiqueta que se pratica com rigor aquando da distribuição das doçarias a quem se pretende convidar.